CAMPEÕES DE DESPERDÍCIO: O ESTADO NA CORRIDA ERRADA
Um dos maiores equívocos é
acreditar que cabe ao poder público a gestão direta do esporte de excelência
esportiva (alto rendimento). Isso resulta na chamada "esportivização"
das políticas públicas, termo usado por Vaz (2021), em que práticas corporais e
eventos esportivos se tornam o foco da gestão, reforçando a falsa ideia de que
esporte é sinônimo de educação física, exercício físico, atividade física e
saúde.
Um exemplo claro dessa distorção
foi o lançamento, pelo governo federal, do programa “Estratégia Nacional para o
Futebol Feminino”, uma iniciativa que deveria estar sob a responsabilidade da
Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Ainda mais preocupante foi o
investimento bilionário em megaeventos, feito em desacordo com as diretrizes da
Conferência Nacional de Esporte e sustentado pela promessa de um legado que
jamais se concretizou.
Em Santa Catarina, essa lógica se
repete. A FESPORTE concentra seus esforços em competições esportivas e canaliza
a maior parte do Programa de Incentivo ao Esporte (PIE) para a excelência
esportiva e eventos, ignorando o esporte de formação e o esporte para toda a
vida.
Nos municípios, dirigentes
esportivos reproduzem esse modelo, financiando clubes e atletas profissionais
para disputarem campeonatos federativos em nome das cidades. Gastam-se recursos
públicos com salários, viagens, uniformes e premiações, numa estrutura mais
próxima da lógica de clubes do que de políticas públicas.
Há situações absurdas, como
municípios que contratam atletas com mais de 60 anos apenas para vencer os
Jogos da Terceira Idade (JASTI), que deveriam promover a prática esportiva
contínua e a saúde nessa faixa etária.
Em Balneário Camboriú, projetos
como o centro de treinamento da CBF e a concessão do estádio municipal
evidenciam falhas graves de planejamento, falta de transparência e
desalinhamento com as reais necessidades da população.
Dados do Portal da Transparência
da Prefeitura revelam que, entre 2022 e 2024, a Fundação Municipal de Esporte
gastou R$ 8.002.912,00 em eventos realizados na orla da praia central, por meio
do chamado "orçamento secreto". Esses recursos foram utilizados para
promover a imagem do governo e atender a interesses privados, em prejuízo ao
interesse público.
Em 2023, a Fundação destinou R$
152.762,36 ao projeto Arena Verão, cujo principal objetivo era a realização do
Campeonato de Futebol de Areia. No entanto, a estrutura permaneceu montada por
mais de dez dias sem nenhuma atividade relevante. Entre os custos registrados,
constam despesas com infraestrutura, contratação de promotor de eventos, cota
de patrocínio, transmissão ao vivo das finais e aquisição de premiações
personalizadas.
Duas despesas, em especial,
chamam a atenção: o pagamento de R$ 21.000,00 referente a uma cota de
patrocínio para um evento particular que durou apenas dois dias, realizado em
uma arena totalmente financiada com dinheiro público. Uma prática incomum, já
que eventos privados geralmente contam com patrocínios próprios. E o pagamento
de R$ 14.190,64 a um promotor de eventos para acompanhar a montagem da arena.
Mas não seria função desse profissional promover e divulgar o evento, atrair
público e patrocinadores, e desenvolver estratégias eficazes de comunicação?
Essas ações revelam que o esporte
tem sido tratado não como instrumento de inclusão, educação e saúde, mas como
vitrine para promoção política. O foco em eventos de grande visibilidade
negligencia o esporte de formação e o esporte para toda a vida, justamente os
que promovem maior impacto social.
É urgente que os gestores
públicos compreendam que o esporte de alto rendimento deve ser responsabilidade
do setor privado, mais capacitado para gerir talentos, captar patrocínios e
buscar resultados. Ao Estado cabe atuar como regulador, fomentador e
articulador de políticas integradas com a saúde, a educação e o lazer. Quando
tenta atuar como clube ou federação, o poder público erra na estratégia,
desperdiça recursos e compromete a credibilidade da política esportiva.
O modelo catarinense precisa evoluir. As práticas relatadas representam um claro desvio de finalidade no uso do dinheiro público e refletem investimentos elevados sem retorno social mensurável. A sustentabilidade das políticas esportivas locais depende de uma nítida separação de funções entre o setor público e o sistema esportivo privado. O esporte de alto rendimento é oneroso e excludente. Já o esporte de formação e o esporte para toda a vida são acessíveis, inclusivos e eficazes na promoção da cidadania, da saúde e do bem-estar. Reconhecer essas diferenças é essencial para que os recursos públicos sejam aplicados com responsabilidade e justiça social.